Carmina estava sentada num aquário. Do sofá, ela conseguia ver os seus futuros colegas trabalhando lá embaixo.
A visão era de um grande galpão de teto baixo. Em duplas, os trabalhadores liam coisas em pranchetas escuras e apenas um deles subia a escada que dava acesso ao buraco redondo no teto.
A porta ao lado do sofá se abriu.
“Carmina, vamos lá? Dona está esperando por você.”
Carmina tentou sorrir, mas seu queixo apenas tremeu em desespero. Quase derrubou sua bolsa, mas se levantou e acompanhou a secretária. A mulher ia na frente. Ela usava um sobretudo negro com um cinto roxo na cintura. A pele dela era como um lenço umedecido de bebê e exalava um cheiro tranquilizante de maçã verde. Só havia uma única porta no fundo do corredor, mas transitavam diversos seres por entre as paredes de cor amarelo calmaria.
A secretária parou em frente a porta.
“Dona está esperando lá dentro. Boa entrevista.”
A secretária abriu a porta e fez um gesto para Carmina entrar. Seu corpo apenas entrou.

A sala era cinza e no centro dela havia duas cadeiras, uma de cada lado de uma mesa. Dona estava em pé olhando a única decoração na sala: um quadro de um metro de altura com três metros de comprimento. Carmina ficou boquiaberta ao ver o desenho no quadro: eram três lindas mulheres exatamente iguais portando objetos em suas mãos.
A da esquerda segurava um pequeno fuso elegante; a do meio envolvia um novelo de linha com as duas mãos; e a da direita parecia brincar com a tesoura aberta. Elas sorriam maliciosamente enquanto encaravam a nova pessoa na sala.

“Olá, Carmina. Tudo bem? Eu sou a Dona, a responsável pelo setor da Átropos. Pode ficar à vontade. Aceita uma água?
“Não, obrigada.”
As duas se sentaram. As três mulheres no quadro não paravam de observar Carmina.
“Tudo certo, então? Podemos começar?”
Carmina encolheu os ombros e olhou para o chão.
“Sim.”
“Então, antes de começar já aviso para você não ver isso como uma entrevista, ok? Vamos bater um papo e depois você vai fazer um teste super simples, mas não se preocupa, tá? Não é nada demais, ele é mega tranquilo.”
Dona afastou para o lado o papel que estava sobre a mesa.
“Me fala um pouco sobre você.”
Dona sorriu e entrelaçou os dedos apoiando os pulsos na mesa. As unhas dela eram pontudas como estalactites.
“Bem, meu nome é Carmina. Já… estou morta há 26 anos. Trabalhei por 9 meses com gerenciamento de filas dos recém-chegados…”
“Uau, gerenciamento de filas? Nossa, que história incrível! É uma grande diferença para Analista de Almas Júnior, não acha? Por que essa mudança?”
Carmina estava suando, mas não era pelo fato de Dona não ter os olhos nas órbitas e sim, porque aquelas três mulheres no quadro não paravam de encarar.
“Bem, eu… eu…”
E ela não não conseguia desviar o olhar das mulheres. Dona sacudiu a cabeça negativamente e virou-se para o quadro dizendo:
“Relaxa. Elas fazem essa cara para todos. Sinceramente, – sussurrou – elas nem sabem que você está aqui.”
Carmina retorcia as pernas na cadeira. Dona se voltou para a entrevistada.
“Certo, vamos reformular a pergunta: o que te interessa na vaga de Analista de Almas Júnior?”

Era impossível descobrir para onde Dona estava olhando. A entrevistada estava quebrada e nem sabia porque estava ali, tão nervosa e sem respostas, mas as palavras simplesmente foram saindo:
“Eu… acho interessante a pesquisa que deve ser feita com relação a morte. Se vai ser no tempo certo, se vai ser através de doença ou acidente. Ah, e descobrir se ela vai ir para o submundo ou para os céus também é uma parte legal.”
Dona sacudia a cabeça sorridente.
“Muito interessante. Bom, da minha parte é isso. Adorei de verdade conhecer você e suas respostas foram ótimas, mas infelizmente não posso dar uma retorno agora, tenho outros candidatos para entrevistar e assim que o resultado sair, você será informada se vai fazer parte do nosso corpo funcionários ou não.”
Dona colocou a mão sobre a folha que estava em cima da mesa e arrastou para o lado de Carmina.
“Agora é a parte do seu teste. Fica tranquila, ok? Você pode responder a pergunta com calma, levar o tempo que foi necessário. Quando terminar o teste você pode entregar para Lohane, a secretária que te trouxe até aqui.”
Carmina respirou fundo e pegou o papel.
Dona se levantou e caminhou em direção à porta. Carmina colocou sua bolsa embaixo do braço e também se levantou.
“Aqui fora tem uma cadeira e uma caneta para você. Te agradeço muito por ter vindo, Carmina. Passar bem.”
Mesmo com a sensação de estar sendo expulsa da sala, Carmina deu uma última olhada para a decoração. Agora as mulheres estavam com as mãos nas bocas e reunidas no centro do quadro, ainda com os olhares voltados para ela.

O corredor ainda era o mesmo, mas agora não havia nenhuma alma perambulando nele: apenas a cadeira com a caneta que Dona mencionou. Carmina não pensou duas vezes e se atirou nela, limpando o suor da testa.
Ela olhou para o papel em sua mão e viu a seguinte pergunta:
“Quantas pessoas morrem por dia no mundo?”
Por algum motivo, ela achava que tinha estragado tudo, então apenas respondeu:
“Se conseguir o trabalho na empresa eu vou saber responder essa pergunta.”
E largou a caneta.
“Terminou?” Perguntou Lohane aparecendo de súbito.
Carmina olhou para o papel pela última vez.
“Sim.”
A secretária recolheu o teste.

Pela primeira vez na morte, Carmina rezou para que qualquer deus pudesse ajudá-la em sua jornada de trabalhar na Moiras Company.