Mais um dia de aula, ela pensa. O café desce queimando e a porta se fecha em suas costas. Seu irmão ainda está atirado no sofá, exatamente onde estava na noite anterior. Sua mãe ainda não vai chegar do plantão.

    Mais um dia, ela pensa enquanto suspira relutando descer cada degrau até a porta de saída.

    Um breve sereno deixa a rua tensa, ansiosa para que anoiteça novamente. Só que isso não vai acontecer, são quase sete horas da manhã, há mais um dia de aula pela frente.

    Ela aperta a manta em seu pescoço porque está fazendo um frio incomum. Ela caminha apressada até a portaria do seu prédio e para em frente a caixa de correspondência. Ela se abaixa para ver as cartas e folhetos se amassando, buscando uma saída daquele lugar. Na volta eu pego, mas ela sabe que sempre se esquece de pegá-los porque sempre volta chorando para casa.

    Ela abaixa a cabeça e fecha os olhos. Só mais um dia. Só mais um dia. E vai, se arrastando pelos cantos como faz todos os dias. Ela aperta forte as alças de sua mochila, mas de sobressalto ela solta e pede desculpa baixinho para só o assessório ouvir.

    Enquanto caminha, seu corpo começa a molhar lentamente e um ar quente sai de sua boca. Seu olhos miram a rua, mas isso é apenas o piloto automático. Como um mantra, ela tenta se preencher com vontade, mas em dias chuvosos, às vezes ela não consegue se concentrar.

    Chuva? Claro que ela não sabia do que estava havendo ao seu redor e só percebeu quando o seu queixo e mãos se tilintavam todos. Ela parou e olhou para os lados. Nessa hora do dia as pessoas já estão correndo, mesmo na chuva. Acho que ninguém se importa se uma vida acabar aqui e agora.

O guarda-chuva das pessoas apressadas dançavam ao se tocar. As gotas que vinham do céu explodiam ao tocar em qualquer coisa em seu caminho. Eram fortes e intensas, dispostas a lavar qualquer mancha do universo.

Mas a água não lava o som. Mesmo com a chuva tentando camuflar o som rasgado de uma delas, ela conhece bem. A sua direita, quase quatro metros. Era um som novo, aberto, metalizado, mas moldado. Diferente. Importada? Ela vê, um homem talvez, entrando em uma loja com a fachada de vidro. Uma luz quente se destaca naquele dia choroso. Na porta, ele sacudiu o guarda-chuva para não molhar o ambiente. Deixou o guarda-chuva na cestinha da entrada. Sua mochila era azul com branca, mas era só isso que ela conseguia ver dali. Detalhes. Detalhes.

    A dúvida quase nem passou em sua cabeça. Seguir ou ficar. Mesmo que o dia chore, se eu não for, talvez não chore.

    Ela se meteu entre as sombrinhas e guarda-chuvas dançantes e entrou no Café Centauro, desse jeito mesmo, completamente “escorrida”, pronta para praticar o que lhe deixava tão mal.

    Ela ocupou a mesa do outro lado da janela, no sofá virado para o homem, mas ela não conseguia vê-la. Deveria ter sentado atrás.

– Bom dia. Vai querer o mesmo de sempre?

Sim. Obrigado.

    Ele virou para a garçonete com um sorriso no rosto, largando a mochila em cima da mesa. Seus olhos cinza eram serenos e seu cabelo grisalho, com certeza não refletiam a sua idade.

    Só que mochila era linda. Possuía uma forma que nunca tinha visto. Tão delicada. O jeito que aquele couro refletia a luz era totalmente diferente do que já havia visto. Três repartições e na frente um bolso branco combinando com as alças.

– Bom dia. Já deu uma olhada em nosso cardápio?

    A garçonete tentava fazer o pedido agora, mas ela só tinha olhos para a mochila.

– Moça, você está bem? Está tremendo!

– Sim. Onde é o banheiro? – apenas uma reação rápida.

– Lá atrás, perto do caixa. – a garçonete estava com a voz pesada.

– Ok. Um café simples, tá?

    A garçonete não respondeu e seguiu o seu trabalho.

    Ela se levantou, buscando o caminho até o banheiro olhando fixo para a mochila . Só que após um passo o seu corpo encontrou o chão molhado, depois de escorregar, fazendo com que o barulho da chuva tomasse conta do lugar.

    Ele estendeu a mão para ajudá-la. Seus olhares se cruzaram, preocupação e vergonha eles estampavam..

– Você tá bem? Se machucou?

– Estou. Não, só caí.

    Antes de qualquer movimento, ela já estava em pé. Se encaminhando para o banheiro. Foi rápida e trancou a porta. Ela se olhou no espelho: cabelo pingando, olheiras, pele roxa de frio. Isso é melhor que um dia na escola?

    Ela prendeu o cabelo e usou todos os papéis toalha do banheiro para tentar se secar. Sim, é melhor. Ela sorriu para si mesma pelo espelho, mas estava nervosa. Primeira vez que faria isso em outro lugar sem ser no colégio. Se a achassem estranha, tudo bem. Era só pegar as suas coisas e ir embora.

    Ela atravessou o café decidida. A garçonete secava o molhado onde ela acabara de cair. Seu café já estava na mesa, a fumaça dele sumia com a altura. A chuva lá fora ainda era intensa. O homem estava fixado em seu notebook, trabalhando.

    Ela pegou o seu café e tomou um gole. Vai ajudar a ter coragem. Abriu a mochila e tirou o seu kit de desenho. Se virou para o homem, deu uns passos curtos até ele e fingiu que seu vício não era seu maior trauma.

– Oi, desculpa te interromper…

    Ele tirou os olhos do computador e olhou para ela, seguido para todo os aparatos que ela levava em seus braços.

– Ah, sem problemas. – Ele foi gentil, mas curioso.

    Ela exitou em perguntar. A chuva lá fora era forte e ela se aproveitou disso para vencer o medo.

– Eu gostaria de saber se eu posso tirar as medidas da sua mochila e desenhá-la? Eu achei ela tão diferente. Gosto muito de mochilas

    Que estranho ele pensou, mas ele percebeu que ela levava uma tristeza em seu olhar.

    Ele sorriu delicadamente e estendeu a mão com um gesto para ela se acomodar.

– Claro, pode sentar aí.

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