Ágata morava em um bairro de classe média. Perto de sua casa, havia um parque bem colorido. Com vários tipos de flores e árvores, inclusive com vários banquinhos para aproveitar com a família nos domingos e um lindo lago que não possuía peixes.

Ela morava em um apartamento no térreo com seu pai e sua mãe. Seu maior divertimento era ir no parque observar as cores, a grama, sentir o vento batendo no seu rosto. Ela se sentia motivada a viver. Só que de tanto ir a esse parque, Ágata começou a perceber que as coisas mudavam de lugar: os banquinhos estavam sempre em lugares diferentes, as cores das flores nunca eram iguais, árvores pareciam que tomavam pernas e brincavam de xadrez com seus próprios corpos.

De tanto desconfiar, em uma noite, esperou os seus pais irem dormir e fugiu pela janela rumo ao parque. Ela tinha de descobrir o que estava acontecendo.

Ao chegar na entrada principal do parque no momento mais frio da noite, ela viu que atrás de umas árvores que balançavam como uma torcida em uma arquibancada havia movimentação e algumas luzes coloridas saíam  e iluminavam a copa das árvores. Branco. Vermelho. Azul. Violeta.

Sem nem demorar, ela se enfiou no meio da escuridão verde e sem fazer nenhum ruído, se aproximou com passos ligeiros até as luzes. Para não perder o equilíbrio, tocou em uma árvore. A senhora com cabelos verdes fez um barulho tão estrondoso que todas as luzes coloridas se esvaíram. Apavorada, ela correu de volta para a casa.

Passou a noite acordada, imaginando o que será que acontecia ali. No horário onde muitas pessoas corriam no parque, Ágata colocou óculos escuros e foi caminhar no local que mais adorava ficar. Ela percebeu então que todas as coisas permaneram iguais ao dia anterior.

Como ninguém percebe? Por que as pessoas não olham para os lados? A Natureza não é digna de atenção delas? Eram perguntas que se passava na cabeça de Ágata enquanto ficou sentada observando as pessoas se exercitando em volta do parque. Foi que dessa indignação nasceu uma ideia.

Ágata, suando frio, disse aos pais que encontrou uma colega no parque e a menina havia lhe convidado para dormir em sua casa. Seus pais sem nem desconfiar, deixaram sua filha ir para casa da amiguinha. Ela correu de mochila e com um travesseiro para o parque, perto de onde as luzes saíram na noite passada, se aconchegando atrás de um arbusto repleto de flores lilás.

O Sol demorou a descer, mas cada vez menos pessoas caminhavam pela volta do parque. Os segundos eram horas e o frio fazia Ágata pensar que era melhor ter ficado em casa. Alguns ruídos engraçados ecoarem entre os arbustos. Ficou paralisada. Seu coração batia entre os ouvidos e ela tinha medo de que sua respiração ofegante a denunciasse.

Uma voz grave começou a cantarolar. Animado, dizia algumas palavras sem sentido algum para a mocinha escondida. Ágata sentiu um leve tremor onde estava sentada. Um estouro alto seguido de uma cor azulada preenchendo o silêncio da noite. Foi isso uma, duas, três, quatro vezes, mas Ágata não tinha coragem para levantar e perguntar o que estava acontecendo logo atrás daquele arbusto como tinha planejado mais cedo.

Foi que um tremor aconteceu e ela caiu de costas no chão. Deitada, imóvel, ela viu entre ela e o céu o arbusto em que ela estava escondida voando e espalhando terra por todo o seu corpo.

-Você é quem?

A voz grave perguntou séria, mas a mocinha petrificada não ousou olhar e nem responder a pergunta.

– Quem é você?

O coração de Ágata que batia no meio de suas orelhas parou ao perder o chão. Quando percebeu já estava em pé olhando para a voz materializada. Era um jovem moreno, de cabelos longos avermelhados com olhos tão bonitos que pareciam ter sido retirados do próprio céu durante o dia. Ele mexeu apenas o dedo indicador para deixá-la na vertical. Um idioma desconhecido saiu da voz do jovem de cabelos avermelhados, mas Ágata não sabia se olhava para ele ou para o lugar. Tudo estava mudado, ela percebia mesmo no escuro que tudo estava diferente.

– Como tu conseguiu mudar esse lugar assim? – A pergunta de Ágata foi ingênua.

– Ah, então você falar português. Desculpe, faz algum tempo que não me utilizo dessa língua.

– Tudo bem, mas…

Ágata permaneceu de boca aberta enquanto o jovem a interrompeu dizendo alguma coisa para o arbusto que ainda flutuava fazendo-o ir ao encontro do chão. As raízes penetravam na terra, quando se conectaram um brilho verde preencheu o lugar com sua luz.

– Olha, você… ãh ver demais. Acho que é viu. É, é viu demais. Você viu demais. Precisar te mandar para onde vive. Desculpe.

Mesmo se atrapalhando com a fala o jovem se aproximava de Ágata. Brilho branco saia das palmas de suas mãos. Ágata se manteve firme.

– Eu só queria saber o que estava acontecendo no parque. Eu percebi que as coisas mudavam todos os dias. Só vim até aqui para descobrir. Só isso. Não quero arrumar confusão.

O jovem então diminuiu brilho e fixou o olhar nos olhos da menina. Era como se ele estivesse filtrando a verdade de dentro dela. Ágata se sentiu coagida, mas manteve a sua posição, encarando aqueles céus desconfiado.

– Você notou, ãh, as mudanças no parque. Desde quando?

– Faz praticamente um ano, quando fiz quatorze, mas só há uma semana percebi que as árvores mudavam de lugar também. Eu achava que alguém fazia isso por puro prazer, mas… quando vi que as árvores também mudavam, percebi que não podiam fazer isso em apenas algumas horas.

O jovem não falou nada. Apenas continuava a observar Ágata.

– Olha, sei que fiz errado em estar aqui. Só queria descobrir quem fazia isso aqui no parque. Eu vou pegar a minha mochila e vou voltar para a casa. Já sei quem tu é e vou te deixar em paz, ok? – antes que ela pudesse se mexer para ir embora, o jovem perguntou.

– Qual o seu… ãh, name. Não, nome. Qual o seu nome?

– Ágata. E o seu?

Ele sorriu.

– Você sabe porque estar aqui?

– Acabei de te falar. – Ágata franziu as sobrancelhas.

O jovem começou a caminhar e se aproximar das flores que haviam por perto. Tudo se iluminava com os tons que tocava. O jovem continuou a sorrir. Ele parou no meio do parque e com algumas palavras fez tudo se iluminar. Interessada, Ágata se aproximou, com uma expressão risonha e seus olhos explodiram cores. O jovem abaixou sua cabeça até a altura do peito e disse sem gaguejar e nem errar o português.

– Eu estava lhe esperando, Guardiã.

Ágata caiu na risada.

– Guardiã? Que história é essa moço?

– Eu achar que era história mesmo, mas eu acredito era destino.

– Não sei do que tu tá falando. – Ágata continuava rindo.

– A história dizer que uma menina chamada Ágata com um cabelo estranho iria chegar e governar esse parque.

– Isso não faz nenhum pouco de sentido. Eu vou in…

Ela virou as costas para o parque e tentou caminhar em direção a saída, mas uma árvore levantou-se fazendo um som ensurdecedor. Um brilho verde fazia suas raízes se destacarem, no mesmo instante em que um rosto desconfigurado, cheio de vincos, tomava forma no tronco principal. Ágata ficou desacreditada com o que via.

– Você estava aqui ontem, não é? – a voz da árvore cansada, lenta e rouca – Eu te disse Yon, eu te disse. É a mesma energia.

– Tudo bem. Desculpe se não acreditar em você. – Yon levantou as mãos.

– É ela? É ela?

– Tem tudo pra ser. Ela ver tudo que acontece. Faz um ano. Ela dever ia ter vindo antes.

– Temos que fazer um teste…

Ágata que estava com os olhos saltando de um ser para outro, percebeu que a árvore estava aproximando um dos seus galhos em sua direção. Ela reagiu.

– CHEGA!

Os dois seres se entreolharam e ficaram surpresos.

– Olha só, não entendo nada disso que vocês tão falando. Vocês podem pelo menos me explicarem o que é? O que tá acontecendo? – Ágata começou com a expressão risonha.

– Desculpe por ter sido ingrato…? Isso, ingrato? Começa com in…

– Insolente? – Ágata pergunta levantando uma sobrancelha.

– Isso! Insolente. Desculpe-me por isso. Eu sou Yon e aquele é o ent Alfred. Eu ser o espírito do parque e ele Guerreiro de Força. Estamos muito honrados em recebê-la.

Ágata coloca as mãos na cintura.

– Nada ainda faz sentido.

Murmúrios entre os arbustos ecoam no parque. As folhas se mexem enquanto olhos fervorosos acendiam-se no meio da escuridão. Um som de zíper veio do lado onde a mochila da Ágata estava. Ela voltou-se para onde suas coisas estavam e correu para ir ver o que é. Suas coisas já estavam no chão sendo levadas por bolinhas de poeira com pequenos olhinhos.

Ela olhou para a árvore e para Yon. A moça confusa colocou a mochila nas costas e começou a andar rumo a sua casa.

– Eu tô indo nessa. Isso tudo é demais pra mim. Nunca imaginei ver uma árvore falando, poeira carregando coisas e um espírito de carne e osso.

– Espera! Antes de ir – Ágata já estava praticamente fora do parque quando Alfred terminou a sua frase – Nos permita te mostrar um pouco do nosso mundo.

Ágata bateu no nada e permaneceu ali, parada, discutindo com o seu interior, dizendo que a melhor coisa a se fazer era ir pra casa e nunca mais voltar. Deixar esses seres em paz e não se meter mais onde não é chamada. Só que ela viu aquelas luzes coloridas iluminando as folhas negras dominadas pela noite e retornou ao centro do parque. Yon a esperava sorridente.

– Vem. Quero mostrar onde viver. Vivo. Vivo.

Ela o acompanhou. Um pouco mais longe do centro do parque, bem perto de sua casa, havia um caminho de pedra. Os olhos nos arbustos ainda acendiam  e murmúrios como ratos roendo coisas. Estavam por toda a parte.

– Que som é esse?

– São um pouco de tudo. Fuligem, ratos, pássaros, cobras, todos eles conversando porque a Guardiã finalmente chegou.

– Supondo que sou eu, isso?

– Sabe, quando eu te ver hoje não achei que fosse você, por causa da cor do seu cabelo e do tipo. Mas te ver de perto e ver a pureza da sua energia me fez acreditar. É aqui.

Paramos no meio da estradinha. Yon me puxou delicadamente para fora do caminho. Ele esfregou os dedões nos outros dedos, falou algumas palavras e pequenos brilhos sobre a lage no chão. Ele se abaixou e a puxou para o lado. Foi que uma grande luz amarela surgiu perto dos seus pés. A lage abriu uma porta para uma casa, uma casa rústica, mas bem iluminada.

– Pode descer, fique vontade.

– Mas não tem escada. – Ágata estava de boca aberta.

– É só ir que a escada aparece. Veja.

Yon apressou-se e entrou em casa. Uma escada circular se formou feita de raízes que saíam da parede de terra. Ágata não quis esperar e o seguiu o mais rápido possível. Quando os dois pisaram no chão, a escada se desfez.

– Vou pegar uma coisa. – Yon foi para um lado mais escuro da casa. Um que estava cheio de coisas.

– Tá bem.

Ágata andou pela casa. Todos os móveis eram feitos de madeira outros feitos de raízes, bem simples. Não era uma casa muito grande, mas o lado mais escuro da casa chamou a atenção dela. Um corredor comprido, sem nenhuma iluminação. Ela se aproximou e viu muitas coisas espalhadas pelas prateleiras, molho de chaves, celulares, carteiras, lençóis, bonecas.

– São coisas que as pessoas deixar no parque ou que as fuligens pegar, pegam, para serem travessos com os humanos.

– Hum. – Ágata franziu rapidamente a testa.

– Pronto. Aqui está.

Ele alcançou para ela um pequeno livro, cheio de poeira e todo estraçalhado.

– O que é isso? – Ágata perguntou pegando o livro desgastado.

– É O Livro da Guardiã. Abrir. Tem sua imagem, ãh, foto aí.

Ágata não acreditou nenhum pouquinho e riu debochando do que Yon lhe disse, mas abriu mesmo assim. Na segunda folha, tinha um desenho seu.

4 respostas

    1. Oi Wagner! Que bom que gostou! Fico muito contente em receber seus comentários! Essa é uma história que estava engaveta há algum tempo. Estou pensando em trabalhar nela por enquanto. Abraços!

    1. Oi Claudete! Obrigada pelo comentário! Fico feliz por ter gostado. Quem sabe logo mais tem continuação! Heheh Beeijos ;*